Dizer o que é a dança contemporânea é uma tarefa complexa, uma vez que esse estilo de dança não possui ao certo uma definição ou conceito. De acordo com o instrutor de dança, Adriano Paiva, ela surge, assim como outros tipos de dança, para romper com o estilo anterior.
“Como a dança moderna rompeu com o balé, a dança contemporânea tenta, de alguma forma, romper com todos os traços tanto do balé como da dança moderna. Surge entre 1950 e 1960, ganhando força realmente a partir dos anos 1960, e vem até os dias atuais. Porém, hoje em dia já se discute a pós-dança contemporânea”, explica o professor e dançarino.
Ainda segundo Adriano, a dança contemporânea parte desse lugar de incômodo, de quebrar com a técnica e de trazer mais emoção para os espetáculos de dança. Entre as principais características desse estilo estão a liberdade de criar sem amarras e a possibilidade de construir diálogos entre os dançarinos e a plateia.
No Brasil, existem diversos exemplos de grupos que trabalham com a dança contemporânea, como o Grupo Cena 11, de Florianópolis (SC); Grupo Experimental, de Recife (PE); Qualquer Um dos 2, de Petrolina (PE); e Gira Dança, de Natal (RN), que trabalha com pessoas com deficiência.
No Agreste de Pernambuco alguns grupos de dança também atuam com essa linguagem mais livre, criando espetáculos híbridos que trazem e misturam elementos de outros estilos. Entenda mais sobre a dança contemporânea e conheça os coletivos agrestinos que vivem dessa arte!
Dança contemporânea: história, características e benefícios do estilo
O surgimento da dança contemporânea é marcado por duras críticas a forma como a dança estava sendo criada e pensada nos anos de 1950. Segundo o instrutor Adriano Paiva, na época existiam várias considerações ao fazer da dança moderna e pós-moderna, que estavam sendo taxadas de muito técnicas e sem emoção.
Diante disso, vários grupos de dança passaram a criar espetáculos que uniam diversas linguagens. Entre esses grupos um se destacou, o Judson Dance Theater.
“Eles tinham artistas visuais, artistas da dança, da música, do teatro, artistas circenses. Em forma de protesto levaram os espetáculos deles com essa junção de linguagens, dando o ponto a pé ao movimento do contemporâneo”, conta Adriano.
Outro importante ponto de destaque é o entendimento de que tudo é corpo e pode ser utilizado em cena. “A gente defende que tudo é corpo, desde a respiração, da emissão de voz, do olhar, tudo pode virar cena, tudo pode virar dança. Apesar de nem tudo ser dança”, pontua o profissional.
Características da dança contemporânea e seus benefícios
Uma das principais características desse estilo de dança é a liberdade de criação, tendo em vista que a dança contemporânea rompe com técnicas mais fechadas de outros estilos clássicos. O desenvolver desse tipo de dança depende muito do coreógrafo ou diretor.
“Eu posso usar vários estilos, várias técnicas, para concretizar a concepção do espetáculo, como também posso partir de uma emoção, de um sentimento, e a partir dessa dramaturgia ir construindo a movimentação e toda técnica para determinado espetáculo”, explica Adriano Paiva.
Outro ponto que merece destaque é que a dança contemporânea está sempre alinhada a uma pesquisa. Não é possível construir um trabalho contemporâneo apenas de acordo com os gostos pessoais do dançarino, coreógrafo ou diretor. É necessário aliar ao fazer artístico as pesquisas de movimentos inerentes de cada corpo que está ali presente no momento.
Já entre os benefícios dessa prática, o instrutor destaca o poder de agregar qualquer corpo ao movimento. Para ele, qualquer corpo é capaz de se mover e criar um repertório, uma pesquisa corporal, frases corporais e assim, desenvolver um trabalho que resulta na concepção de um espetáculo de dança nesse estilo.
“A própria prática de aliar a pesquisa ao trabalho, do autoconhecimento corporal, de criar um repertório corporal a partir do simples e ir complexificando esse movimento, fazer essas pequenas descobertas de possibilidades de movimento. Tudo isso deixa um legado muito forte de potência do que o corpo é capaz de fazer”, completa o professor.
Grupos de dança contemporânea no Agreste de Pernambuco
Existem diversos grupos de dança em Pernambuco, principalmente os que são voltados para os estilos tradicionais do Estado, como samba de roda, coco, maracatu, forró, frevo etc. No entanto, quando o assunto é dança contemporânea, a representatividade no Agreste acaba diminuindo.
A seguir você conhece o trabalho de três grupos de dança contemporânea que atuam no interior do Estado e resistem as diversas problemáticas que existem no fazer cultural longe das regiões metropolitanas. Confira!
1. Associação Cultural Afro-brasileira Orí
O grupo Orí nasce em 2014, em Caruaru, Agreste Central de Pernambuco, através da junção de Vanaldo Brito, diretor geral, e de Renata Lima, diretora artística e cênica.
Em 2020, o coletivo deixa a informalidade e passa a se tornar pessoa júrica, transformando-se na Associação Cultural Afro-brasileira Orí, tendo os dois representantes como presidente e vice-presidenta da instituição.
Atualmente, a associação administra uma sede no bairro do Salgado, um dos mais populosos bairros da periferia caruaruense. E oferece à comunidade aulas de percussão com Petrúcio Cruz, diretor musical do grupo, e aulas de dança com Renata Lima.
“Então, além de desenvolver o trabalho de dança artística para palco, a gente também desenvolve um trabalho de pesquisa, ensino e fomentação de arte-educação dentro da instituição”, explica o presidente Vanaldo Brito.
De acordo com o diretor geral, o grupo surgiu inicialmente com a ideia de desenvolver um trabalho mais voltado ao contemporâneo, uma vez que eles tinham limitações de integrantes e visavam uma construção mais dinâmica e ousada.
No entanto, com o passar do tempo, surgiu a necessidade de trabalhar com propostas híbridas, que tivessem características contemporâneas, mas também utilizassem de questões identitárias, como a linguagem afro-brasileira, e aspectos regionais.
“Compreendendo esse processo, o grupo começou a compor essa linguagem híbrida. Você vai ver nas cenas, tanto as bases de tradição, uma matriz que é respeitada e reproduzida em cena, mas com uma limpeza mais estética pensando no detalhe, trazendo mais um contemporâneo que dá esse dinamismo de fazer rolamento de chão, de movimentar artisticamente essa base híbrida”, complementa Vanaldo.
Orí é um dos 24 grupos brasileiros aptos para representar o Brasil em festivais internacionais, uma vez que é afiliado do Cioff Brasil. Nesse processo de caminhada, o grupo também se apresenta em Caruaru, durante o São João, desde 2017, e em 2024 busca representar a cultura brasileira no México.
Entre os trabalhos do Orí, Vanaldo chama a atenção para o Raízes Negras. Trata-se de um espetáculo afro-contemporâneo baseado em muita simbologia, gestualidade e bebe, principalmente, de pesquisas feitas nos terreiros de candomblé e das manifstações da Jurema Sagrada.
“Então a gente traz pro público conhecer um pouco mais dessa corporeidade que é tão pertinente na nossa identidade cultural e que não é apresentando de forma rotineira. De certa forma, a gente desenvolve um trabalho sociocultural e educativo para que o público possa entender toda essa diversidade e ajudar a desconstruir os preconceitos”, ressalta.
A associação conta com aproximadamente 30 integrantes, entre direção geral, direção musical, técnica, suporte de figurino, iluminação cênica e som, músicos, cantores e, claro, os bailarinos.
Vanaldo destaca uma característica pertinente do Orí, que se apresenta com música ao vivo. Segundo o diretor geral, essa escolha se dá por entender que esse tipo de experiência traz uma energia muito forte entre os dançarinos e a plateia.
2. Coletivo Interior
O Coletivo Interior é o primeiro coletivo de dança contemporânea de Belo Jardim, Agreste Central. O grupo surgiu através do Núcleo de Pesquisa em Dança do Sesc Belo Jardim, em 2018, e a partir do desejo dos integrantes em desenvolver a cena artística dessa linguagem na cidade, que ainda é tão escassa.
Desde então, o Interior vem realizando projetos e processos voltados as pontencialidades orgânicas do corpo na dança, sendo agora um coletivo independente.
“A gente escolheu a Dança Contemporânea por nos dar a liberdade de experimentar, destrinchar e reinventar as diversas faces do corpo enquanto movimento, usando como base a subjetividade de cada um para com o entorno”, explica a integrante do coletivo Mylene Ferreira, que também é estudante de Licenciatura em Dança na UFBA.
Entre os trabalhos do Coletivo Interior, Mylene cita o espetáculo “O Idioma das Árvores”, construído ainda no Núcleo de Pesquisa sob a direção de Adriano Paiva.
“Ele fala sobre o encontro de cada um consigo, com a natureza e com o outro, explorando movimentações de ar e água que dispensam o entendimento específico, abrindo espaço para narrativas únicas traçadas somente durante a relação intérpretes-público”, narra a integrante.
Atualmente, o grupo está trabalhando em um processo de imersão para a construção de um novo projeto, “Lugares da Gente”. De acordo com Mylene, a ideia é exprimir a relação do ser com o tempo, e como a passagem e o entendimento dele afeta e agrega a cada vivência.
O Coletivo Interior possui seis integrantes, são eles: Brendo Lima, intérprete-pesquisador e coordenação técnica; Cíntia Souza, intérprete-pesquisadora e produtora cultural; Daniel Alves, intérprete-pesquisador e preparação cênica; Marília Azevedo, produtora cultural; Mylene Ferreira, intérprete-pesquisadora e produtora cultural; e Jacksyanne Monteiro, intérprete-pesquisadora.
Além dos espetáculos e pesquisas, o Coletivo Interior também realiza processos de formação de novos artistas. Em 2023, o grupo produziu o Circuito Dança Jardim, que contou com quatro oficinas de dança, três espetáculos da dança contemporânea em escolas públicas e um encerramento com as apresentações dos solos dos 20 alunos que participaram do evento.
3. Street Family
Em Surubim, Agreste Setentrional de Pernambuco, o grupo Street Family (SF) surgiu em 2013, com o intuito de continuar a desenvolver trabalhos de dança que eram realizados na escola. Foi então o primeiro grupo de dança independente da cidade e teve como fundadora a dançarina e cantora Yannara.
“Quando eu concluí o ensino Médio, chamei minha prima Nana Silva, que era mais nova que eu e ainda dançava na escola, para irmos em busca de pessoas que tivessem interesse em participar. Formarmos o SF. Iniciamos com quatro pessoas e ao longo desses dez anos, muitas outras passaram pelo grupo”, explica a integrante e fundadora do grupo Yannara.
No íncio do projeto, os integrantes dançavam as músicas que gostavam de ouvir e desenvolviam as próprias ideias. Segundo Alex Souza, que também é coreógrafo e co-diretor do Street Family, as primeiras intervenções despertaram euforia das plateias e o grupo se tornou uma grande escola para os que vivenciaram os encontros e formações.
“Os trabalhos foram de intervenções urbanas, com uma sonoridade e uma movimentação pop/urbano/Indie/jazz ao contemporâneo, com trabalhos como Ó Pátria e Colado. O último trabalho foi o Sobre a Mesa: Lascívia, terceira versão do terceiro trabalho do grupo, intitulado Sobre a Mesa. Trabalho este de grande receptividade em todas as suas versões”, relembra.
Ao todo, o grupo possui nove trabalhos apresentados ao público e está na produção do seu 10º espetáculo. De acordo com Yannara, a proposta deste último trabalho é dar um desfecho ao Sobre a Mesa, pois o grupo sente a necessidade de fechar o ciclo desse projeto que tem quase a mesma idade do grupo.
Fazem parte do grupo o bailarino, co-coreógrafo e co-diretor, Antônio Luiz; a fundadora, bailarina, co-coreógrafa, có-diretora e figurinista, Yannara; e o bailarino, co-coreógrafo e co-diretor, Alex Souza.
Do Street Family surgiram outros grupos independentes encabeçados pelos três integrantes do coletivo, são eles: Um corpo de Dois, do Alex Souza, Arial de Antônio Luiz e Âmbar de Yannara, todos de Surubim.
Quais são os desafios de trabalhar com dança contemporânea no Agreste?
Apesar da dança ser uma linguagem extremamente importante para a sociedade, uma vez que foi através dela que os povos conseguiram se comunicar desde os primórdios, ela ainda é muito subvalorizada em todo o país. E a falta de valorização e incentivo só piora quando se trata do interior.
De acordo com os nossos entrevistados, é desafiador e muitas vezes desestimulante trabalhar com cultura no interior de Pernambuco. Assim como em todo o Brasil, no Agreste há falta de rescursos, incentivo, formação e acesso aos artistas que vivem dessa arte.
“Tem o lado bom, que aquece o coração quando a gente percebe que essa rede de cultura vem aumentando na cidade, e que estamos construindo algo sólido, mesmo que aos poucos. Mas não deixa de ser desafiador lidar com a falta de incentivo, invisibilidade e carência de acesso a pesquisa que o interior infelizmente ainda sustenta quando trata-se de arte-cultura”, afirma Myele Ferreira.
Para Alex, a dificuldade aumenta no interior porque além das dificuldades já mencionadas, a dança passa a ser uma segunda fonte de renda, ao invés de ser a primeira. E essa realidade prejudica o desenvolvimento do artista que precisa se sustentar de outra forma, que não da arte.
Já Vanaldo Brito explica que o problema é sistemático, que começa na própria cidade e reverbera no Estado e no País. Em Caruaru, por exemplo, não existem editais específicos para a dança e a linguagem acaba sendo vinculada a editais gerais. Além disso, ele afirma que o município prevê apenas participações em grandes festas, como o São João e a Semana Santa.
Apesar das dificuldades, o diretor geral e presidente do Orí conta que vem percebendo algumas mudanças, graças ao empenho dos grupos interioranos e de outros artistas que se somam para cobrar pela aplicabilidade dos recursos para outras áreas.
“Têm-se políticas de melhorias, como a Fundarpe que vem buscando descentralizar os investimentos da região metropolitana pra se avançar pro interior, mas a gente ainda vê que existe essa complexidade de acesso aos editais e aos recursos”, pontua.
Apesar dos desafios, os grupos de dança contemporânea do Agreste seguem firmes em seus propósitos de levar a linguagem para mais pessoas interessadas em seus territórios.
“Seguimos firmes também nos preocupando em propicionar formação em Dança para a massa popular, porque acreditamos que acima de tudo, as pessoas devem ter no mínimo a escolha de viver a Dança, e dessa forma, trabalhamos para que aos poucos a cena da Dança do interior seja cada vez mais valorizada e bem vista”, completa a representante do Interior Coletivo.
Vanaldo, que também é suplente da linguagem no Conselho Municipal de Cultura de Caruaru, afirma que é necessário ocupar esses espaços de poder e cobrar para que mais políticas públicas cheguem à população.
“A dança resguarda todo um processo de identidade cultural, ela está desde os primórdios. Então a nossa dança serve para contar algo, falando e trazendo a representatividade de um processo”, finaliza.
E você, gostou de entender o que é a dança contemporânea, suas características e benefícios? Além de conhecer mais de perto o trabalho de artistas que vivem dessa linaguagem no Agreste de Pernambuco?
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