Luiza Maria da Silva ou, simplemente, Luiza dos Tatus. A protagonista desta história é engraçada, criativa, comunicativa e dona de mãos mágicas, que dão forma, cor e amor ao barro colhido em chão agrestino.
Nascida e criada no Sítio Rodrigues, zona rural de Água Fria, distrito de Belo Jardim, Luiza aprendeu a mexer com o barro desde pequena. Na época, criava junto de sua mãe e tias panelas de barro para vender nas feiras da região. Anos depois, a artesã muda seu estilo de peças e faz o maior sucesso nas feiras de artesanato da capital pernambucana, Recife.
Em 2020, após mais de 50 anos trabalhando com artesanato, Luiza dos Tatus foi intitulada Mestra. Suas peças podem ser encontradas em todos os lugares do Brasil e até mesmo fora do país.
Conheça a seguir a história, o trabalho e os sonhos dessa artista belo-jardinense, que é uma das artesãs famosas do Agreste!
Quem é Luiza dos Tatus?
Mestra do artesanato brasileiro, estudante, mãe e avó. Luiza Maria da Silva começou a trabalhar com barro aos 9 anos de idade, aprendendo o ofício com uma tia. “Minha mãe não tinha paciência de ensinar, então quem me mostrou como fazia as peças foi minha tia Dite”, lembra.
A artesã também conta que no início fazia panelas, tigelas, tacho e outros itens domésticos usados para cozinhar no fogão de lenha. E que essas mesmas peças eram vendidas a R$ 1 nas feiras da cidade.
“Antigamente ninguém sabia o que era uma caçarola. Quando a gente viu umas caçarolas na feira, a gente até disse ‘pronto, agora nós não vamos vender mais nada não.’ Mas até hoje nunca paramos de vender”, diz.
As dificuldades financeiras na infância a impediram de continuar os estudos. Assim, a necessidade de trabalhar fez Luiza parar de frequentar a escola quando ainda estava na 2ª série do ensino fundamental.
Depois de casada e já com filhos, Luiza se desdobrava entre as peças de barro e a pescaria para garantir o básico para a família. Muitas vezes, a pesca lhe rendia mais dinheiro do que o próprio artesanato.
“Eu pescava a semana todinha e as peças ficavam pra lá, tudo seca. Depois eu quebrava tudo de novo e colocava pra lá, porque eu achava melhor tá pescando, pois na pescaria eu tava conseguindo arrumar peixe pra vender”, relembra.
A realidade da artesã belo-jardinense só mudou quando ela conheceu a artista plástica Ana Veloso, que entre os anos de 2006 e 2009 desenvolveu um trabalho para revitalizar a produção artesanal do Agreste e estimular a visibilidade das artesãs da região.
No Sítio Rodrigues, além de Luiza, outras artesãs também participaram das formações com Ana Veloso. Cida Lima, Neguinha, Josenilda e outras mulheres que trabalhavam com barro passaram a ressignificar suas peças e suas formas de produção.
“Ela mandou eu fazer uns bichos, e eu fiz uns bichos muito feios, por desaforo mesmo. Eu dizia: ‘eu não sei fazer bicho e isso não vai prestar’. Ai eu fiz, ela foi e marcou uma exposição no Recife. Chegou lá nós vendemos tudo o que era bicho feio que a gente tinha feito”, conta.
Apesar da resistência inicial, Luiza percebeu o potencial dos seus trabalhos e começou a aprimorá-los. Hoje, além de fazer os animais da região onde vive, como os tatus, sapos, iguanas, galinhas e corujas, também reproduz animais que não existem por perto, a exemplo das girafas.
Ateliê Luiza dos Tatus
O ateliê da artista fica ao lado da sua casa, no Sítio Rodrigues. Nesse espaço, ela trabalha diariamente com suas colaboradas e família, produzindo as peças e recebendo pessoas interessadas em comprar ou conhecer suas obras.
Luiza conta que o primeiro animal que fez foi o tatu, e foi justamente por isso e pelo sucesso da peça em feiras de artesanato que ela foi batizada por Ana Veloso com o codinome Luiza dos Tatus.
“O primeiro que eu fiz foi o tatu, depois eu fiz as lagartixas, os sapos, iguana, tartaruga. O mais fácil de fazer é a lagartixa, mas o que a gente acha mais bonito é o tatu. As tartarugas também são bem bonitinhas, mas o tatu tira em primeiro lugar aqui. Todo mundo que vem atrás, vem atrás do tatu”, explica.
No ateliê, Luiza conta com uma equipe de seis pessoas, entre colaboradoras e família. A filha Carol Silva trabalha em quase todos os processos de produção, além de auxiliar a mãe na precificação, vendas e manutenção das redes sociais. Já o marido de Luiza, João José da Silva, faz peças e é responsável pelos desenhos geométricos que embelezam ainda mais as obras.
As irmãs Daniele de Lima e Maria Janiele também integram a equipe. Enquanto a primeira monta as peças, a segunda é responsávelo pelo alisamento e auxilia João nos desenhos. Fabiana da Silva trabalha no acabamento das peças e Geilza Silva completa a equipe na montagem.
Apesar de toda a ajuda de outros profissionais, Luiza explica que ela sempre precisa ajustar as peças. “Todas as cabeças eu tenho que dar um toque, sabe? Porque elas fazem do mesmo jeito que eu, mas eu tenho que dar uma refinada. Quando eu olho, tenho que torcer o pescoço dele, colocar a orelhinha, que tem que saber o tamanho das orelhas que ele merece também”, pontua.
Como é trabalhar com Luiza dos Tatus?
As colaboradoras de Luiza trabalham com a mestra há anos e relatam como é trabalhar para ela. Enquanto Fabiana e Jailza trabalham em suas próprias casas, Daniele e Janiele percorrem quilômetros para passar o dia no ateliê fazendo as peças.
Daniele de Lima trabalha há dois anos com Luiza e diz que quando chega no trabalho, nem vê a hora passar. “Aqui é muito bom trabalhar, é como uma terapia. A pessoa as vezes vem bem estressada, caminhando um monte, ai quando chega aqui, chega a pessoa se realiza. Já começa a dar risada, a Mestra já começa perguntar o que aconteceu, e daqui a pouco a pessoa já esquece o que está acontecendo. E começa todo mundo a dar risada, chega 16h e a gente nem vê”, conta.
Luiza conta que as colaboradoras têm total liberdade para continuar com ela ou ir em busca de algo que elas queiram fazer. Maria Janiele, por exemplo, trabalha com a artesã há dois anos e nesse tempo já se mudou para o Pará e voltou, sendo acolhida no ateliê.
“Todo dia eu sentia falta do meu serviço, das minhas conversas. Todo dia eu ligava pra Luiza, a gente conversava. Toda pedrinha que eu achava no caminho, eu sempre guardava, mandava foto pra ela, dizia que ia voltar e que íamos trabalhar de novo juntas. Luiza é minha prima, Daniele é minha irmã e aqui é uma família, é um lugar que a gente se sente muito bem pra trabalhar”, relata.
De artesã para mestra
Em 2020, Luiza dos Tatus recebeu o título de mestra por parte do Programa do Artesanato Brasileiro (PAB) e segundo ela, esse reconhecimento favoreceu o seu trabalho, principalmente com relação as feiras de artesanato.
Na Fenearte, por exemplo, Luiza sempre participou através da Prefeitura de Belo Jardim, que organiza a ida de vários artesões e artesãs do município.
“Meu sonho era ter um espaço para eu expor meu trabalho, que coubesse pelo menos a metade dele, porque na barraca da prefeitura vão 12 ou 13 pessoas, aí cada pessoa tem um espacinho. Você coloca 4 ou 5 peças, e quando vende aquelas é que você vai repondo. No estande do mestre lá eu acho que cabem bem 80 peças, vou botando, o pessoal vai comprando e a gente vai repondo mais”, explica.
Além do estande maior, a mestra conta que também é convidada a ficar em um hotel com direito a acompanhante, é ofertado um ônibus para levar os mestres do hotel para a feira e também tem ajuda de custo para os baús que levam as peças dos artistas para Fenearte.
Luiza sempre vai com o esposo, mas Carol e o marido também acompanham a mestra nessa feira. A artesã conta que nos primeiros quatro dias é mais intenso, porque é o momento de despachar lojistas. Depois disso, ficam só ela e Carol nos últimos dias de feira.
“Eu sei que nós levamos 600, 700 peças, digamos que sobram aí 150 peças, 200. As que sobram a gente deixa lá no Marco Zero”, conta.
Além de encontrar as peças de Luiza dos Tatus nas lojas de artesanato pernambucano, a artesã também vende para o exterior e recebe compradores no ateliê. Para consultar preços, solicitar peças e ter mais informações sobre o trabalho da mestra belo-jardinense, os interesssados podem falar com Carol pelo telefone: 81 98219-2002.
O retorno para escola
Após tantos anos, Luiza voltou para a escola e está na 3ª série do ensino fundamental. Para ela, esse retorno aos estudos está sendo uma ótima experiência, pois além de aprender também está fazendo novas amizades.
“Eu não estudei na época, não foi porque eu não quis, é porque não existia. As escolas quando a gente ia, nem conseguia estudar. Nem tinha comida em casa, nem comida lá. Porque você sabe, né? Adolescente só pensa em comer. E não tinha nada pra gente comer, então a gente não conseguia, tudo fraco de fome”, relembra.
Com o apoio de Carol, que também trabalha na educação, Luiza retornou os estudos. “Ela é muito animada para ir para escola, nunca falta. Já aprendeu muito. Não lê fluentemente, mas já conseguiu algumas coisas”, revela Carol, responsável pela matrícula da mãe na Escola Municipal de Água Fria.
Luiza dos Tatus diz estar focada em realizar um desejo pessoal: aprender a ler. “Meu sonho é ler a bíblia. Eu leio, gaguejando um bocado, mas leio, só não entendo muito bem. Até quem sabe às vezes não entende, quanto mais eu. Se Deus quiser eu vou conseguir. Porque eu acho que é o livro mais importante na face da terra.”
O barro como tradição e renda
O Sítio Rodrigues tem outros nomes de artesãs famosas do Agreste. Além de Luiza dos Tatus, outras mestras moram no local como Cida Lima e Neguinha, que acabam influenciando outras artistas da região.
Carol Silva explica que parte do tradicional se perdeu com o tempo, uma vez que hoje as artesãs trabalham com outros formatos de peças. No entanto, o impacto do trabalho que elas desenvolvem na economia local é de extrema importância para diversas famílias.
“Aqui tem 6 ajudando, Neguinha tem uma boa parte da família dela, Cida é a família toda dela. Aí quando junta tudo há uma movimentação de renda, porque aí tem que tire a a lenha, o barro, não é só a produção em si”, explica.
Luiza também vê seu trabalho como uma forma de ajudar a comunidade, tanto empregando profissionais, como também contribuindo com o desenvolvimento local.
“Minha filha, a coisa mais importante que tem é ajudar a comunidade. Se eu pudesse, ajudava as pessoas. Sou uma pessoa que gosta de ajudar, fazer festa para as crianças, eu gasto e recebo ajuda também. Eu não posso ver uma pessoa chegar e dizer que tá precisando comprar algo, principalmente remédio. Não sei dizer não, eu pelejo pra dizer, mas eu não sei”, conta.
Carol completa com a importância de manter essa cultura do Sítio Rodrigues firme e forte. “A gente também não pode deixar nossa origem de lado, a gente tem que manter nossa identidade. Porque aqui é nossa identidade, a gente nasceu e se criou dentro do artesanato.”
Peças de Luiza dos Tatus
Conheça Luiza dos Tatus
Gostasse de conhecer Luiza dos Tatus, seus trabalhos em barro e parte de sua vida pessoal? Então, já compartilha essa matéria com quem também ama e valoriza o artesanato feito no Agreste de Pernambuco!