A centenária tradição dos grupos tocadores de pífano está viva em Caruaru, Agreste Central de Pernambuco. Além da resistência dos mestres mais antigos, como o João do Pife, outros artistas vêm surgindo no cenário local, unindo tradição e atualidade.
Um desses novos nomes é Vitória do Pife, nome artístico da caruaruense Vitória Maryellen, mais uma discípula do Mestre João.
Além de musicista e compositora, ela também é lluthier de pífanos e professora, repansando os ensinamentos dessa tradição para crianças, jovens e adultos.
Para conhecer mais a história dessa artista agrestina, o Viva Agreste foi até Caruaru para entrevistá-la.
Além de falar sobre sua relação com o instrumento e explicar como é trabalhar com a cultura popular, Vitória toca músicas clássicas como “Pipoca moderna”, da Banda de Pífanos de Caruaru, e canções de sua própria autoria, como “Amarrando sem dá nó”. Confira!
A descoberta do instrumento
Nascida no bairro do Salgado, Vitória se interessou em tocar instrumentos depois do contato com alguns artistas de Caruaru, que sempre puxavam mais música quando os eventos da cidade acabavam.
Aos 17 anos pediu ao pai um violão. Sem condições financeiras na época, o pai de Vitória resolveu presentear a jovem com um pife feito pelo Mestre João, que morava próximo à sua casa.
“Foi o contato com o João do Pife, porque eu não sabia nem o que era uma banda de pífanos, nunca tinha visto apresentação de pífanos, nem sabia da existência. Então pra mim foi uma grande descoberta! E aí descobrir o que é o instrumento junto com o mestre já é outra realidade. Então eu entrei de cabeça e ele morando a 5 minutos da minha casa, de 15 em 15 dias eu tava lá aperreando o véi e ele me ensinando“, relembra.
Com o passar do tempo, a artista já estava integrando grupos e bandas de pífanos de Caruaru. Atualmente, integra a Orquestra de Pífanos de Caruaru & Maestro Mozart Vieira, a banda Forró Agarradim e a Banda de Pífanos Zé do Estado.
Além disso, Vitória tem a própria banda de pife com os amigos, a Banda de Pífanos Caruaru Camaleão. Possui também um projeto solo que carrega seu nome artístico.
Vitória do Pife: De aluna a professora
Após dois anos tocando pífano, Vitória conta que recebeu uma proposta de dar aulas particulares.
“Eu nem pensava em dar aula, mas um rapaz chegou pedindo e eu fui tirar da cartola ferramentas que eu pudesse ensinar. Passei uns três, quatro meses dando aula pra ele. Ele foi aprendendo umas três, quatro músicas e eu: ‘caramba, se ele tá aprendendo é porque eu sei ensinar’, explica.
Hoje em dia, além de dar aulas particulares presenciais e pela internet, Vitória também é contratada pela Assistência Social de São Caetano para ensinar a crianças e adolescentes de comunidades periféricas da cidade.
Segundo a professora, as aulas são sempre regadas de muita música e brincadeira. Vitória conta que ensina o básico para se tocar o pífano, como a consciência respiratória, corporal e dos dedos, e a coordenação motora.
“A importância de dar aula de pífano, seja qual for a idade, é a questão de você salvaguardar uma tradição que é muito antiga. […] é trazer essa memória, essa memória do Brasil, essa memória da alegria, da cultura popular e pra que essa memória não se perca“, defende.
A resistência da cultura X escassez de oportunidades
Apesar da importância da tradição do pífano, principalmente no Nordeste, os agentes culturais que trabalham com essa cultura sofrem com a escassez de oportunidades.
Para Vitória, é lamentável que Caruaru só desfrute de uma efervescência cultural durante os festejos juninos, e que os artistas populares tenham dificuldade para acessar as oportunidades dentro do próprio município.
“Depois do São João Caruaru fica um deserto. Não digo um deserto, porque a gente tá se mobilizando e a gente tá tentando criar cada vez mais esses espaços de cultura aqui em Caruaru, de música, dança, arte, tudo”, destaca Vitória.
Vitória do Pife: inspirações, criações e projetos futuros
Vitória conta que sempre gostou de música e foi muito influenciada pelo gosto musical eclético de seus pais, que tinha de Banda Eva a Reginaldo Rossi.
“Como a gente tá nesse mundo globalizado, eu escuto de tudo. Então vai da música brasileira ao pop, ao rap, banda de pífano, ao repente, a embolada, é uma grande mistura. E isso junta dentro de mim, faz assim [se mistura] e sai do jeito que eu enxergo o mundo e a vida”, explica.
Nessa volta dos eventos presenciais, após o período de isolamento provocado pela pandemia do Covid-19, a musicista diz que quer aproveitar ao máximo as oportunidades de subir aos palcos.
No retorno do São João em Caruaru, no ano passado, ela pode se apresentar pela primeira vez com a Banda de Pífanos Caruaru Camaleão.
Com o projeto solo, subiu aos palcos do Festival Aurora Instrumental em novembro de 2022. E, mais recentemente, no Festival Rec-Beat, durante o Carnaval.
Vitória do Pife traz uma identidade diferente, mas complementar a banda de pífanos, unindo o tradicional com outros ritmos e contemporaneidades.
Geralmente, as bandas tradicionais de pífano são compostas por seis integrantes, são eles: dois pifeiros e quatro da percussão, com a zabumba, caixa ou taró, os pratos e o contra surdo. Em alguns casos, esse último é trocado por pandeiro.
No caso do projeto Vitória do Pife, a banda é composta por Vitória no pífano, Valdemar Neto no violão de sete cordas e guitarra, Danilo Felipe na percussão (com pandeiro, triângulo, agogô, caracrachá, entre outros) e Wagner Santos na bateria, ilú e efeitos.
“Eu via a necessidade de pegar minhas músicas autorais e trazer o que elas precisam que no caso é uma linguagem que tem o tradicional, mas que também é muito voltada pra questão da Jurema Sagrada, dos toques de atabaque, de conga e os ritmos que pertencem também a essa outra manifestação. Então, eu também tô me atualizando, vendo se boto uns beats, umas coisas assim. O que vai se tornar esse Vitória do Pifano, só vocês acompanhando pra saber”, finaliza a artista.