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Mestre Galo Preto: Rei do improviso e Patrimônio Vivo de Pernambuco

“O coco não morreu e nem vai morrer“, diz Mestre Galo Preto em entrevista ao Viva Agreste, logo após concluir a apresentação no 30º Festival de Inverno de Garanhuns (FIG). O coco e o repente do Rei do Improviso agradaram da criança ao idoso no Palco Ariano Suassuna, em Garanhuns, Agreste Meridional de Pernambuco.

“Eu to muito feliz de estar na terra que eu já morei. O meu reduto é Recife e Olinda, mas sempre com Garanhuns no meu coração. Garanhuns e Rainha Isabel, lugar onde eu nasci, no município de Bom Conselho”, conta.

Mestre Galo Preto com pandeiro
Apresentação de Mestre Galo Preto no FIG aconteceu na Praça Ariano Suassuana, no dia 22 de junho (Foto: Arnaldo Felix)

Com muito improviso, elegância e irreverência, Galo Preto trouxe um repertório bastante conhecido da sua longa e elogiável carreira. “Bate o pandeiro”, “Coco do idoso” e “Pernambucana” foram algumas das entoadas que fizeram todos os pés dançarem ao ritmo do coco inconfundível do Mestre.

Confira como foi a apresentação do Mestre Galo Preto e a entrevista concedida ao portal:

Quem é Mestre Galo Preto?

Mestre Galo Preto é um dos 18 filhos de João Leão e Celestina da Silva. Seu nome de batismo é Tomaz Aquino Leão e ele nasceu no dia 08 de outubro de 1935, na Comunidade Quilombola Rainha Isabel, no munípcio de Bom Conselho, Agreste Central de Pernambuco.

No documentário gravado em 2011, intitulado Galo Preto: o menestrel do coco“, o Mestre relembra memórias da infância com alegria. “Minha 1ª mamada foi numa cabra preta”, diz ao contar a história do seu nascimento.

Segundo ele, enquanto a mãe dormia o sono pós-parto, seus irmãos mais velhos levaram o caçula para tomar leite em uma cabra da família. Por isso, ele afirma sorrindo ser parente de bode.

Aos 8 anos deixa Rainha Isabel e parte para Garanhuns junto de toda sua família. Dos 18 irmãos, apenas 8 se criaram, como bem diz Galo. Eram 5 homens e 3 mulheres.

“A nossa família quando se encontrava, tava o coco formado. Coco pra gente era coisa habitual, era coisa normal. São João, o outro ia fazer uma casa, ia casar outro, aniversário… era coco”, relembra em fala do documentário assinado por Wilson Freire.

Mestre Galo Preto e banda
A banda que acompanha o Mestre Galo Preto é formada por familiares do repentista (Foto: Arnaldo Felix)

Já em terras garanhuenses, Tomaz Aquino ganha o título de Galo Preto, por ser um menino destemido. A primeira embolada sai aos 9 anos, da forma mais natural possível.

Depois de ver dona Celestina preparando uma galinha, o menino curioso pergunta o nome de cada parte do animal e guarda as respostas da mãe na mente.

Na hora do almoço,  usando as palmas e as batidas no peito para entoar a embolada, canta sem nem saber o poder da criação:

“Eu nunca vi uma pinta que nem aquela
a minha mãe matou a pinta pra fazer uma cabidela.
A pinta tinha uma crista, debaixo da crista um bico,
depois do bico o pau, o pau parece um saco e fica perto da moela,
depois da moela o fígado, depois do fígado a titela,
depois da titela a coxa, depois da coxa a canela,
depois da canela é unha e é preciso testemunha pra tocar nas penas dela.
Eu nunca vi uma pinta que nem aquela
a minha mãe matou a pinta pra fazer uma cabidela.”

Carreira de Mestre Galo Preto

Em 1947, aos 12 anos de idade, passa a morar em Recife. Na Capital Pernambucana, Galo Preto começa a trabalhar vendendo frutas, verduras e legumes, e se destaca dos demais vendedores pela criatividade na propaganda das mercadorias.

Durante mais um dia comum, o jovem conhece o poeta e escritor Ascenso Ferreira, que se impressiona com desenvoltura do pequeno vendedor e o indica a Zil Matos, locutor da Rádio Clube.

Entre 1950 e 1970, a carreira do artista ganha o Brasil inteiro. Ao lado de músicos como o sanfoneiro Arlindo e do zabumbeiro Quartinha, Mestre Galo Preto se consolida como repentista, cantador, embolador e coquista em todo o território nacional.

O auge se dá na década de 70, fazendo parceiras com grandes nomes da música brasileira a exemplo de Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga. Esse último, inclusive, lhe dá o título de melhor embolador do Brasil.

Também nessa época, Galo Preto ganha as telinhas e faz participação em alguns dos maiores programas televisos da década. Assim, leva a música popular pernambucana para o programa de Silvio Santos, Chacrinha e Flávio Cavalcanti.

Jingles e perseguição política

O sucesso das emboladas atrai também a atenção dos políticos, que passam a oferecer trabalho a Galo Preto durante as eleições. O primeiro a contratá-lo é Nei Maranhão, que de prefeito de Moreno, município pernambucano, se torna Deputado Federal.

Apesar de apenas prestar o serviço de compositor e embolador dos jingles, Mestre fala sobre perseguição política durante a campanha de André de Paula, em 1992.

“Violeiro que aparece em guia eleitoral é preso por homícios”, diz a chamada no jornal fazendo referência a Galo Preto. Por dois anos, dois meses e seis dias, o repentista fica preso e só então é liberado por falta de provas.

“Minha arma sempre foi o pandeiro e todo mundo sabe disso”, conta o artista durante o documentário “Galo Preto: o menestrel do coco” (2011).

Mestre Galo Preto tocando pandeiro
Galo Preto também trabalhou fazendo jingles para políticos de Pernambuco (Foto: Arnaldo Felix)

Infelizmente, esse episódio faz o artista se afastar dos palcos. Apesar disso, com muita resistência e coragem, volta a compor e até faz uma embolada sobre todos os acontecimentos desse triste e injusto episódio da sua vida.

A volta aos palcos

Em 2007, Mestre Galo Preto é convidado pela Secretaria de Saúde de Olinda a fazer uma música de conscientização sobre o HIV. Ao lado de outros artistas, ele compõe um coco que até hoje faz parte do seu repertório.  “A Aids está por aí, procure se proteger. Quem usa o preservativo, não pega o HIV”, diz o refrão.

Também tem um encontro um tanto quanto inusitado com o hip hop e o rap. Ao lado de Zé Brown, realiza um show misturando esses dois estilos com o coco e o repente tão famosos do Mestre.

Com 73 anos de idade e celebrando 65 anos de coco, é convidado a participar do aniversário de 3 anos do programa Sopa Diário, dividindo o palco com Lula Queiroga e Mundo Livre S/A.

Título em Pernambuco e lançamento do 1º CD

A carreira e vida de Mestre Galo Preto ganha um capítulo especial em 2011, quando o artista recebe o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco pela Secretaria de Cultura do Estado. Título esse que ele faz questão de mencionar com todo orgulho, inclusive quando fomos entrevistá-lo em Garanhuns.

Apesar de colecionar participações em outros discos, nunca chegou a gravar um com suas próprias canções. Em 2017, através do projeto Rumos Itaú Cultural, lança o 1º disco solo de sua carreira. Histórias que andei conta com 12 faixas que relembram a infância e trazem o melhor do maior exponete da embolada e do coco brejeiro nacional.

Galo Preto cantando
Ao longo da carreira, o repentista ganhou títulos importantes, como o de Patrimônio Vivo de Pernambuco em 2011 (Foto: Arnaldo Felix)

Quando perguntamos na entrevista onde ele estava morando agora, Mestre Galo Preto respondeu sem titubiar: “pelo mundo”. Já conheceu diversos países, viagens conquistadas através de seu trabalho e amor pelo repente e o coco.

Atualmente, prestes a completar 87 anos, mantém a elegância com o terno branco, traje esse que combina com os sapatos, o chapéu e a barbinha também branca. A alegria é estampada no bonito e sincero sorriso que está presente no artista dentro e fora dos palcos.

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