Os conjuntos de montanhas, Serra do Ororubá e Serra do Jucá, no município de Pesqueira, Agreste Central, é a casa dos povos Xukurus e o cenário dos rituais índigenas.
No último dia 6, o povo Xukuru do Ororubá realizou mais um ritual sagrado, que foi composto do toré e a presença de gaiteiros, o Dia de Reis.
Em um dos percursos para chegar até o terreiro do ritual, é necessário sair em caminhada. A companhia do trajeto é uma majestosa vista da aldeia, com montanhas de matas preservadas.
O caminho de pedras não desencoraja índígenas a chegarem também de moto. Mas, tem quem venha também a pé desde o centro de Pesqueira.
Depois da longa caminhada, uma clareira aberta na mata indica a chegada ao terreiro sagrado. Bem ao centro, uma cabana de orações feita de palha de coqueiro e enfeitada com flores brancas e vermelhas.
“Você sabe o significado das florzinhas brancas?”, perguntou Pajé Zequinha a nossa equipe. Respondemos que não, e ele continuou. “É em homenagem a Nossa Senhora.”
Curiosos, perguntamos se as vermelhas também teriam algum significado. Sorrindo e acenando com a cabeça, o Pajé disse: “Tem sim, é em homenagem a Ogum”.
No interior da cabana várias são as velas ascendidas pelos indígenas e por qualquer pessoa que desejasse pedir benções, proteções ou simplesmente agradecer as entidades.
Com os indígenas ao redor, o Pajé Zequinha inicio o ritual ao lado do Cacique Marquinhos e dos mestres gaiteiros.
O rito seguiu com um toré, elemento fundamental no sistema cosmológico Xukuru, que levantou uma nuvem de poeira, contagiando e convidando a todos para participar do ritual.
Após o toré, apenas os indígenas com barretina subiram para a Pedra do Rei. Barretina é uma espécie de chapéu feita com palha de coqueiro, que serve como marca identitária da etnia e é usada como proteção espiritual dos indígenas.
A pedra em questão, também chamada de Pedra do Reino, é enorme e está localizada no alto da Serra do Ororubá, na aldeia Pedra D’água. Lá estão enterradaos o Cacique Xicão e outros indígenas.
Depois do ritual no espaço sagrado, os indígenas desceram e encerraram o rito com mais toré no terreiro. Fechando assim mais um dia 6 de janeiro com tradição, cultura e fé.
Por que e como os indígenas celebram Dia de Reis?
“Quem é o Rei dos Reis?” Pergunta o Pajé Zequinha, logo depois de ter sido questionado sobre o que representa o Dia de Reis para o território indígena Xukuru.
Segundo o Pajé, a data 6 de janeiro é um momento único para as aldeias. “Esse ritual foi e é a força dos indígenas“, afirma.
Aos 92 anos, Pajé Zequinha se recorda quando iniciou o comando desse ritual sagrado, há 62 anos. Para os povos índigenas, o dia 6 de janeiro tem significado e importância diferentes dos da igreja católica.
“A festa do Índio, ele faz diferente, mas sendo importante pra Jesus. Você não viu aqui quando eu chamei ‘Reis do Ororubá, Rei do Céu e da Terra e da onde chamar’? A importância pra gente é a terra, que é de onde nós tiramos toda a força, alimento e tudo na vida”, explica Pajé Zequinha.
Além do líder religioso, participam do ritual o Cacique Marquinhos, os Mestres de gaita e os povos índigenas das 26 aldeias que compõem o território Xukuru.
“Desde que a gente começou com a luta pelo nosso território que eu participo todo ano e já faz mais de 50 anos. Eu comecei quando era novo e agora estou com 75 anos. Perdi dois anos, por causa da doença [pandemia da COVID-19], mas graças a Deus eu tô com um prazer grande porque hoje eu estou aqui”, relata o Mestre Medalha.
Responsável pela música que acompanha o ritual, Mestre Medalha é um dos últimos tocadores de gaita dos povos Xukurus.
Ele apresenta o instrumento usado no Dia de Reis chamado de membi. Trata-se de uma flauta que tradicionalmente era feita com madeira de taboca, um tipo de material também usado na produção de pífano.
No entanto, com a dificuldade de encontrar a taboca, os índígenas passaram a confeccionar o membi também com cano plástico.
“Hoje eu tô muito satisfeito porque eu já to vendo 5 mestres de gaita. Eu tava conversando com o cacique ali e dizendo que eu quero que aprenda mais, porque antigamente eu alcancei vários mestres de gaita que já foram embora. O derradeiro que se passou foi um tio da minha esposa, esse se foi e eu fiquei no lugar dele e to repassando para os outros, porque uma tradição dessa não pode morrer, ela tem que ser repassada de geração pra geração”, conta.
Mestre Medalha só lamenta não ter conseguido subir a Pedra do Rei. Devido a um problema no joelho, o mestre de gaita aguardou os demais indígenas no terreiro do ritual.